quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

*INTERVENÇÃO CORPORAL*

 

"Pensar em um corpo que se move é como mergulhar em um oceano de indagações inconscientes, transgredir a matéria, a carne, o que se toca. 

Ser o corpo que se move, que dança, balança, inventa  e reinventa não só movimentos, mas sentimentos que se transformam em forças criadoras, é como transcender a visão, seguir a pulsação do coração, este sai do centro passeia por todo corpo e se esconde nos pés do bailarino. Agora confio no meu corpo, ele é genial, me equilibra no desequilíbrio e me conscientiza no inconsciente, o corpo invertido brinca com a física; a gravidade é o desafio do êxtase, é preciso sair da lógica e do racional, da sua casa, da sua casca, nascer para você, sair em direção ao mundo, isso é se conhecer. 

Ser o corpo que dança é muito mais do que pensar em um corpo que se move, o bailarino enxerga com as plantas dos pés e toca com os olhos rumo ao infinito. A visão caminha ou a vida paralisa quem não sabe andar, coloca um pé na frente do outro, quem sabe coloca um olho diante de cada pé que o move. Respiro e me desperto, danço, salto, corro, o equilíbrio está nos meus pés, lá onde o coração pulsa intenso, construído como um refúgio ou um hábitat, nasce como uma partitura musical, ângulos diferenciados, desvios calculados, a matemática do corpo busca a paz do plano, o ouvido escuta o silêncio visceral do corpo que se move, que dança e se contorce, o sensível não se esconde na carne, mas transpira por cada poro da epiderme,ultrapassando os mais ínfimos limites do humano. Danço não apenas para encantar ou me mostrar, mas para me entender, me enxergar; a alma é meu espelho, reflete não somente as curvas do meu corpo, as contrações dos meus músculos e o sorriso na minha face, mas principalmente os meus sentimentos, dos mais simples aos mais complexos, tudo é tão intenso que me aquece e me nutre até os limites mais íntimos da vida.

Ser o corpo que se move não é se prender a regras e estabelecimentos formais, é se despir emocionalmente nos contornos da rua, ao redor do meu corpo encontra-se o caos das avenidas turbulentas de ar irrespirável, espalhados por asfaltos, calçadas e esquinas. Individualizo-me na multidão, escrevo com meu corpo a minha história. A carne, o sensível, o corpo é meu saber, aprendo o sentido da vida com cada movimento que dança em mim, nenhuma regra, nenhuma ordem pode atrapalhar minha 'felicidade cultural', carregada de sabedoria e sagacidade, sem lógica, sem cálculo, dispondo apenas de um espaço de paz, nossos corpos ainda podem ser acolhidos livremente pelo forte vento e pelo grande sol neste ano de 2010. Se meu corpo se entrelaça com os espaços urbanos que se multiplicam constantemente, meu tempo se enlaça com os tempos da terra, da evolução e da história, quantos dias e noites minha carne constituída de verbo, ora música, ora dança, permanecerá dançando em equilíbrio instável sobre todas suas partes, segura e insegura, pontiaguda e cortante ao sabor desta imensa vida que vibra nos contornos do universo em movimento? Quanto ao meu corpo que dança não lamento ter sofrido nenhuma queda, hematoma, corte ou medo, a sensação guia a vida, vivo intensamente a alegria, a dor, a agonia e a aflição dos gritos ensurdecedores.

Ser o corpo que se move é sobreviver à cegueira da humanidade, ele não se ilude, mas silencia, ele diz a verdade, mas nós a ouvimos mal. Fugir da dor? Do medo?

O corpo não pode ser covarde, a coragem é a qualidade do 'guerreiro', a dor faz do meu corpo o que sou hoje, sou o que danço. Na 'escola da vida' meu corpo vai as ruas, voa e aterrissa, em cada 'intervenção' mergulho na aprendizagem dos gestos, na escuridão do meu sangue, nos pensamentos que não penso;saber é esquecer. O movimento ágil e a passagem para ação exigem um certo tipo de inconsciência, pois assim habito melhor meu corpo  e posso comandá-lo, esqueço dele, pelo menos em parte. O corpo que dança não pode ser ausente, um transparente mudo, um ponto do mundo sem lugar, um não-eu, preciso sentir meu corpo se desarticular, o músculo se afastar, preciso ouvir os lamentos do meu corpo para chegar ao silêncio, preciso infinitamente 'dançar'!"

(Julieta Menezes)

   

3 comentários:

  1. verdaderamente hermoso o que voce escribio, gostei muito, tem muita certeza das coisas da vida que fazen a conecao con os nossos corpos espiritual, fisico y almico, um equilibrio dinamico y fugaz que da pracer de viver...gabriel argentina

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  2. Olá passando aqui para conhecer seu blog, parabéns pelas postagens !Beijinhos a vc
    www.rute-rute.blogspot.com

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  3. Olá!o Palhaço me indicou teu blog.Gostei dos teus escritos.PARECE QUE ESCREVE DANÇANDO!

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